Uma das partes da história da Natividade que, a meu ver, é das mais belas, emocionantes e significativas é quando o anjo aparece aos pastores e anuncia o nascimento de Jesus, depois do que uma multidão de seres celestiais surge louvando a Deus. É uma introdução muito adequada ao nascimento do Filho de Deus. Assim narra Lucas:
“Havia naquela mesma região pastores que viviam nos campos, e guardavam o seu rebanho durante as vigílias da noite. Apareceu-lhes um anjo do Senhor, e a glória do Senhor os cercou de resplendor, e foram tomados de grande temor. O anjo lhes disse: Não temais. Eu vos trago novas de grande alegria, que o será para todo o povo. Na cidade de Davi vos nasceu hoje o Salvador, que é Cristo, o Senhor.”[1]
O anjo anunciou o nascimento do Salvador, mas não foi tudo que aconteceu. Lucas também conta:
“No mesmo instante apareceu com o anjo uma multidão dos exércitos celestiais, louvando a Deus, e dizendo: Glória a Deus nas maiores alturas, paz na terra entre os homens, a quem ele quer bem!”[2]
Esta conexão entre o Salvador e paz também ocorre nas profecias do Antigo Testamento; por exemplo, no livro de Isaias nos é dito: “Porque um menino nos nasceu, um filho se nos deu; o principado está sobre os seus ombros, e o seu nome será: Maravilhoso, Conselheiro, Deus Forte, Pai da Eternidade, Príncipe da Paz.”[3] “Ele foi ferido pelas nossas transgressões, e moído pelas nossas iniquidades; o castigo que nos traz a paz estava sobre ele.”[4]
Tanto no Antigo quanto no Novo Testamento, o Messias —o Salvador— está ligado à paz. Contudo, no mundo hoje, ou em qualquer outro momento da história, a paz é muitas vezes o que mais falta. As guerras e as revoltas civis são endêmicas na humanidade. Infelizmente, não há paz duradoura na história e certamente não existe hoje. Então por que Jesus é chamado Príncipe da Paz? Por que os anjos, quando louvavam a Deus no nascimento de Jesus, falaram de paz?
A palavra mais comumente usada para paz no Antigo Testamento é shalom. Apesar de muitas vezes usada nas Escrituras no sentido de ausência de guerra, tem outros significados. O sentido raiz de shalom se refere a ser bem-estar. Significa plenitude, saúde, segurança, prosperidade, contentamento, tranquilidade, harmonia, paz mental, ausência de ansiedade e estresse. Também se refere à amizade entre indivíduos, assim como à paz e amizade entre indivíduos e Deus.
A palavra grega mais frequentemente usada no Novo Testamento para se referir à paz[5] às vezes interpretada no sentido de tranquilidade nacional ou ausência dos tumultos da guerra. Contudo, mais vezes, é também usada para expressar segurança, proteção, harmonia e boa vontade entre as pessoas. Designa também a tranquilidade de uma alma na certeza da salvação por Cristo.
Apesar de que chegará o dia em que o mundo viverá a ausência da guerra, após a Segunda Vinda de Jesus, a paz tão falada na Palavra de Deus diz respeito ao bem-estar gera dos indivíduos, física e espiritualmente. As Escrituras repetidas vezes declaram que bem-estar, tranquilidade e shalom resultam de um relacionamento correto com Deus, o qual é possível pelo Salvador, anunciado pelos anjos aos pastores naquela noite, há mais de dois milênios.
A humanidade sempre precisou se reconciliar com Deus. Por causa dos nossos pecados, vivemos separados dEle e não temos a capacidade de corrigir essa separação. O apóstolo Paulo comparou isso a ser inimigo de Deus. A vida, morte e ressurreição de Jesus trouxe a reconciliação entre Deus e o homem Pela fé em Jesus, o Príncipe da Paz, podemos estar em paz com Deus. “Deus prova o seu amor para conosco, em que Cristo morreu por nós, sendo nós ainda pecadores. Pois se nós, quando éramos inimigos, fomos reconciliados com Deus pela morte de seu Filho, muito mais, estando já reconciliados, seremos salvos pela sua vida.”[6]
Pelo Príncipe da Paz, é possível se restaurarem a harmonia e o relacionamento entre Deus e todos os que aceitam Jesus como Salvador. A salvação resulta na justiça diante de Deus, conforme nossos pecados são perdoados e a justiça da salvação nos traz paz e alegria. Podemos possuir a plenitude de shalom: completude, bem-estar, satisfação, contentamento, tranquilidade, harmonia e paz de espírito, fonte da paz interior em meio às tormentas e desafios da vida, os quais todos enfrentamos. Nesta integridade, pela salvação que recebemos pelo sacrifício de Jesus, encontramos a paz com Deus e, consequentemente, a verdadeira paz para nós mesmos.
Jesus, o Senhor da paz, nos traz paz além do que qualquer coisa que possamos entender. Ele nos dá paz e, conforme fixamos o pensamento nEle e confiamos nEle, dá-nos perfeita paz, ou, como diz o original em hebraico, shalom shalom. Repetir uma palavra em hebraico era a maneira de expressar um grau superior. Nesse caso, não apenas paz, mais paz perfeita. Encontramos paz no Salvador, paz quando amamos a Palavra de Deus, paz quando nossos caminhos agradam o Senhor, paz pela presença do Espírito Santo, paz na fé e paz quando Cristo governa nossos corações.
Os anjos louvando Deus na noite em que Jesus nasceu anunciaram a paz que Deus ofereceu pelo nascimento do Salvador. —A paz com Deus vem pela salvação, a paz interior que vem da nossa ligação com Deus, a paz que apreendemos ao saber que Deus nos ama e criou uma maneira de estarmos com Ele para sempre. É a mesma paz que Ele nos incumbiu de levar aos outros pela mensagem do amor Deus, a mensagem da salvação que devemos espalhar. É a paz que temos quando damos aos outros a mensagem de reconciliação com Deus, a mensagem da salvação, a mensagem da paz eterna.
Façamos tudo ao nosso alcance para levar a paz de Deus para a vida dos que não conhecem a verdadeira paz, a paz que só Deus pode dar. Nesta época de Natal, vamos compartilhar com muitos a mensagem da maior de todas as dádivas, o Príncipe da Paz.
Quando os anjos param de cantar,
E a estrela no céu se vai,
Quando poderosos e
governantes se deitam,
E pastores recolhem os rebanhos,
Começa o trabalho do Natal:
Encontrar
os perdidos,
Curar os quebrantados,
Alimentar os famintos,
Libertar os cativos,
Reconstruir as nações,
Trazer paz entre os povos,
Alegrar os corações…
E refletir a Luz de
Cristo,
Todos os dias, de todas as formas, em tudo o que fazemos e dizemos.
Aí então começa o
trabalho do Natal.
—Howard Thurman
Publicado no Âncora em dezembro de 2016.