No capítulo 4 de João, Jesus disse à samaritana à beira do poço: Deus é Espírito, e importa que os que O adoram O adorem em espírito e em verdade.1
Jesus disse que Deus é espírito. Deus é um ser não criado e, portanto, um espírito não criado. Por isso, é diferente em essência de todas as coisas criadas. Ele não é feito de nada que tenha sido criado —não possui matéria. Ele não é apenas energia, ar ou espaço, que são coisas criadas. Tem um modo diferente de existência. Existe de forma distinta de tudo que já foi criado, inclusive os anjos e os espíritos humanos. Os seres humanos são seres corpóreos com espíritos, enquanto os anjos são seres incorpóreos imateriais; mas todos estes são seres criados e, portanto, diferentes de Deus.
Deus sempre existiu enquanto espírito. Sua existência é muito superior a qualquer coisa conhecida ou que já tenha existido —“maior do que qualquer coisa que possa ser imaginado.”2 Tanto que por Ele todos os outros seres passaram a existir. Ele é a fonte de toda a existência, de toda a vida.
Como explica Wayne Grudem: Podemos perguntar por que Deus é como é. Por que Deus é espírito? Tudo que podemos dizer é que essa é a mais excelente forma de ser! É uma forma de existência muito superior a tudo que conhecemos. É impressionante meditar nesse fato.3
Como o ser de Deus é tão diferente e superior ao nosso, não podemos entender Sua completa essência ou ser.
A Invisibilidade de Deus
Deus é invisível. Não podemos vê-lo. Aquele que tem, Ele só, a imortalidade, e habita na luz inacessível; a quem nenhum dos homens viu nem pode ver; ao qual seja honra e poder sempiterno. Amém.4
Uma pergunta que naturalmente surge pela leitura dos versículos acima é: “E quanto aos relatos no Antigo Testamento de pessoas terem visto Deus?” Por exemplo, Moisés no Monte Sinai.
Então disse Moisés: “Rogo-Te que me mostres a Tua glória. ” Respondeu-lhe o Senhor: “Eu farei passar toda a Minha bondade diante de ti, e te proclamarei o Nome do Senhor. Terei misericórdia de quem Eu tiver misericórdia, e Me compadecerei de quem Me compadecer. ”E acrescentou: Não poderás ver a Minha face, pois homem nenhum pode ver a Minha face, e viver.
Disse mais o Senhor: Eis aqui um lugar junto a Mim; aqui, sobre a penha, te porás. Quando a Minha glória passar, Eu te porei numa fenda da penha, e te cobrirei com a Minha mão, até que Eu haja passado. Depois, quando Eu tirar a mão, Me verás pelas costas; mas a Minha face não se verá.”5
Houve outras situações em que Deus Se revelou a pessoas do Antigo Testamento, tais como Abraão, os israelitas quando vagavam no deserto e os anciãos de Israel.
Depois apareceu o Senhor a Abraão nos carvalhais de Manre, estando ele assentado à porta da tenda, no maior calor do dia. Levantou Abraão os olhos, olhou e viu três homens em pé na sua frente. Vendo-os, correu da porta da tenda ao seu encontro, e prostrou-se em terra. Disse ele: Senhor meu, se achei graça aos Teus olhos, rogo-Te que não passes de Teu servo.”6
Subiram Moisés e Arão, Nadabe e Abiú, e setenta dos anciãos de Israel, e viram o Deus de Israel. Debaixo dos Seus pés havia como que uma calçada de pedra de safira que se parecia com o céu na sua claridade. Mas Deus não estendeu a Sua mão contra os escolhidos dos filhos de Israel; eles viram a Deus, e comeram e beberam.7
Claramente, houve momentos em que Deus Se revelou às pessoas de uma forma que elas O pudessem ver. O que viram é o que se chama de teofania , uma manifestação visível de Deus. Ver uma teofania é diferente de ver a essência e o ser total ou verdadeiro de Deus.
Aqueles do Antigo Testamento que viram Deus puderam ver uma forma exterior ou uma manifestação de Deus, uma teofania, não Seu ser ou essência completa. Não viram Deus plenamente, pois ninguém pode vê-lo e viver.8
Como Jesus é Deus, quando esteve na Terra e foi visto por muitas pessoas que, obviamente, continuaram vivas. Viram o Deus Filho encarnado, o que significa "em carne". Estavam vendo Deus em carne humana, o que é diferente de ver a plenitude de Deus e toda a Sua glória. Pedro, Tiago e João viram Jesus transfigurado no monte, mas, mais uma vez, não era Deus em Sua plenitude, que, segundo as Escrituras, ninguém pode ver e continuar vivo. No entanto, ficaram assombrados mesmo com o que viram.
Jesus tomou consigo a Pedro, a Tiago, a João, irmão deste, e os levou, em particular, a um alto monte. Ali Ele foi transfigurado diante deles. O Seu rosto resplandeceu como o sol, e as Suas vestes se tornaram brancas como a luz.9
Antropomorfismo
Como Deus é um ser pessoal que nos ama e quer que O conheçamos e amemos, revelou coisas específicas sobre Si mesmo à humanidade pela Sua Palavra. Para expressar para nós como Ele é, falou sobre Si mesmo em termos que poderíamos entender. Assim, ao falar com as pessoas, como Abraão, Moisés e os profetas, usou palavras que entenderiam, em uma linguagem ao alcance delas.
Um recurso para isso é o que se conhece como antropomorfismo , isto é, a atribuição de características humanas a uma entidade não-humana. A palavra antropomorfia vem de duas palavras gregas, uma significa "homem"; e a outra, "forma". Antropomorfismo, em relação a Deus, se refere à atribuição a Ele características físicas, emocionais e experiências humanas.
Embora Deus seja espírito e desprovido de corpo físico, a Bíblia fala, por exemplo, do Seu rosto, olhos, mãos, orelhas, boca, nariz, lábios e língua, braços, mãos, pés, voz, etc.10 Também Lhe são atribuídas experiências humanas, em que Ele é descrito como pastor, noivo, guerreiro, juiz, rei, marido, etc.11. Também é dito que Ele realiza atividades humanas como ver, ouvir, sentar, andar, assobiar, descansar, cheirar, saber, escolher e corrigir.12
As emoções humanas também Lhe são atribuídas, tais como o amor, o ódio, o prazer, o riso, o arrependimento, o ciúme, a ira, a alegria, dentre outras.13 Há também analogias entre Deus e elementos não humanos, como as que O comparam a um leão, ao sol, a um cordeiro, a uma rocha, a uma torre, a um escudo, etc.14
O antropomorfismo, assim como as analogias, foram os recursos com os quais Deus inspirou os escritores da Bíblia a expressar conceitos da natureza de Deus e como podemos nos identificar com Ele. Se por um lado Deus não tem, literalmente, mãos, pés, ouvidos e olhos, essas palavras nos permitem um senso de compreensão da Sua natureza e de como podemos nos relacionar com Ele.
O teólogo Jack Cottrell disse que esse tipo de linguagem é considerado uma expressão da bondade de Deus em que descreve a Si mesmo em termos humanos para que possamos entender melhor o que está nos dizendo.15
J. I . Packer compara a maneira como Deus fala conosco como a de um pai com uma mente como a de Einstein ao explicar algo para seu filho de dois anos. A linguagem usada é simples para que a criança possa compreender, quando a explicação completa pode ser muito mais complexa.16 A Bíblia diz, por exemplo, que Deus é amor. Sabemos que o amor é da nossa experiência humana e, portanto, isso nos dá uma compreensão conceitual de algo a respeito de Deus.
O amor se origina em Deus, é um de Seus atributos e nós, criados à Sua imagem, temos a capacidade de amar. É importante, porém, lembrar que Seu amor está infinitamente além daquele que podemos compreender. Expressar algo que Deus é —como o amor— em termos humanos, nos dá um ponto de referência, mas não uma explicação completa do que isso significa. A totalidade do amor de Deus está além de qualquer amor que podemos imaginar, mas o fato de podermos nos identificar com o amor, e de alguma forma entender esse conceito, nos ajuda a ter uma noção de como é Deus, em termos ao alcance da nossa compreensão.
Deus é espírito e também pessoal, além de ser o Deus vivo. Possui as qualidades de persona, como autoconsciência, consciência racional, autodeterminação, inteligência, conhecimento e vontade. E, como os seres humanos, feitos à Sua imagem, também temos persona, uma das maneiras mais fáceis para conceituar Deus é pela linguagem antropomórfica. Para expressar Sua natureza e personalidade, Deus usou uma forma linguística, que nos ajuda a nos relacionar com Ele de uma forma que nos é familiar.
Como um autor explica: Os escritores da Bíblia sabiam muito bem que Deus não tem corpo literal, mas também atestaram que Deus é totalmente pessoal: Ele contempla as pessoas humanas, estende a mão para elas e as aconselha. Dessa forma, tem olhos, mãos e pés. Sem os antropomorfismos, não seria possível descrever Deus, em Sua realidade viva e pessoal.17
Deus escolheu revelar-Se à humanidade nas palavras que usou para Se comunicar com e por meio dos escritores bíblicos. Ao fazê-lo, falou na linguagem e forma que eles e consequentemente nós poderíamos entender. Revelou-Se como o Deus vivo que é pessoal, espírito e invisível.
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Notas de rodapé
1 João4: 24. (A menos que esteja indicado o contrário, todos os textos das passagens das Escrituras foram extraídos da “Bíblia Sagrada” — Tradução de João Ferreira de Almeida — Edição Contemporânea. Copyright © 1990, por Editora Vida.)
2 Anselmo de Canterbury, Argumento Ontológico para a Existência de Deus
3 Grudem, Wayne. Systematic Theology, An Introduction to Biblical Doctrine. Grand Rapids: InterVarsity Press, 2000. p. 188.
4 1Timóteo 6: 16. João 1: 18; João 6: 46;1João 4: 12; 1Timóteo 1: 17.
5 Êxodo 33: 18–23.
6 Gênesis 18: 1–3.
7 Êxodo 24: 9–11.
8 Êxodo33: 20.
9 Mateus 17: 1–2.
10 Salmo 11:7; Salmo 11:4; Salmo 20:6; Isaías 59:1; Jó 23:12; Salmo 18:8; Jó 11:5; Isaías 30:27; Êxodo 15:16; Números 11:23; Isaías 66:1; Deuteronômio 15:5.
11 Salmo 23:1; Isaías 62:5; Êxodo 15:3; Isaías 33:22; Jeremias 10:10; Isaías 54:5.
12 Gênesis 1:10; Êxodo 2:24; Salmo 9:7; Levítico 26:12; Isaías 7:18; Gênesis 2:2; Gênesis 8:21; Gênesis 18:21; Deuteronômio 7:6; Deuteronômio 8:5.
13 João 3:16; Deuteronômio 16:22; Salmo 149:4; Salmo 59:8; Gênesis 6:6; Êxodo 20:5; Juízes 2:14; Deuteronômio 30:9.
14 Isaías 31:4; Salmo 84:11; Isaías 53:7; Deuteronômio 32:4; Provérbios 18:10.; Salmo 3:3.
15 Cottrell, Jack. What the Bible Says About God the Creator. Eugene: Wipf and Stock Publishers, 1996. p. 288.
16 Packer, J. I. Creation, Evolution and Problems, Lecture 15, The Attributes of God, Part 2, Lecture Series.
17 Williams, J. Rodman. Renewal Theology, Systematic Theology from a Charismatic Perspective. Grand Rapids: Zondervan, 1996. Bk. 1. p. 51.