A parábola do fariseu e do coletor de impostos é contada apenas no Livro de Lucas, no capítulo 18, versículos 9–14. A parábola trata, entre outras coisas, do elemento básico da salvação. Comecemos analisando os dois personagens da história.
O fariseu
Os fariseus eram membros da sociedade judaica que cultivavam crenças muito fortes no que diz respeito às leis de Moisés e às tradições que receberam “dos pais”. Essas tradições não eram parte das leis de Moisés, mas eram tratadas com a mesma importância pelos fariseus.
O termo fariseu significa “separado”. Eles se esforçavam para observar a lei de Moisés, especialmente as que tinham a ver com o dízimo e com a purificação. Muitos judeus não aderiam às leis de purificação com respeito ao consumo de alimentos, ao seu preparo e à higienização das mãos, motivo pelo qual os fariseus eram muito seletivos no tocante às pessoas com quem comiam, para não se tornarem impuros do ponto de vista do ritual religioso. Alguns censuravam Jesus por comer com os pecadores e desdenhavam Seus discípulos por não lavarem as mãos antes de comer.[1] Também criticaram Jesus várias vezes por violar as leis do sábado.[2]
Os fariseus eram conhecidos por serem excessivamente zelosos nos assuntos religiosos. A maioria dos judeus não aderia à lei mosaica tão categoricamente, motivo pelo qual, na época de Jesus, consideravam os fariseus pessoas muito justas e devotas.
O coletor de impostos
Havia três tipos de impostos exigidos pelos romanos que governavam Israel no tempo de Jesus: o imposto sobre a terra, o imposto per capita e o sistema de impostos alfandegários. Esses impostos eram usados para o pagamento de tributos a Roma, que havia conquistado Israel em 63 a.C.
O coletor de impostos na parábola provavelmente estava mais vinculado aos impostos alfandegários. Em todo o Império Romano, havia um sistema de coleta de impostos em portos, praças alfandegárias e entradas das cidades. As alíquotas variavam de dois a cinco por centro do valor das mercadorias transportadas entre as cidades. Em uma viagem longa, a taxação acontecia múltiplas vezes. O valor das mercadorias era determinado pelo coletor de impostos.
Havia algumas medidas de controle, mas os coletores de impostos muitas vezes superavaliavam as mercadorias para aumentar sua margem de lucro. Paravam as pessoas na estrada e exigiam impostos, que eram pagos em dinheiro ou mercadoria. Os contribuintes consideravam a prática roubo institucional.[3]
Quando os coletores de impostos vieram a João Batista para serem batizados e perguntaram o que deveriam fazer, receberam a seguinte instrução: “Não peçais mais do que o que vos está ordenado”[4]—o que indica que estariam cobrando acima do devido, para benefício próprio.
Os coletores de impostos eram desprezados. Do ponto de vista religioso, eram considerados impuros e, consequentemente, suas casas e qualquer casa em que entrassem, também. Os odiados coletores de impostos muitas vezes eram postos na mesma categoria com pecadores e prostitutas.[5] Eram vistos como ladrões e evitados pelas pessoas respeitáveis. O coletor de impostos na parábola certamente não era uma pessoa bem vista. Era um canalha e sabia disso, como evidenciaram seu comportamento no templo e sua oração.
A Parábola
Jesus disse esta parábola a alguns que confiavam em si mesmos, crendo que eram justos, e desprezavam os outros:[6]
Com essa introdução, Lucas explica que a história diz respeito aos que acham que podem alcançar a justiça por seus próprios méritos. Jesus está contando a parábola aos que confiam neles mesmos, que se julgam justos e que consideram os demais inferiores e não merecedores de respeito.
Dois homens subiram ao templo para orar, um era fariseu e o outro, cobrador de impostos.[7]
As expressões “subiram” e “desceram”, esta usada posteriormente, se referem à elevação no Monte do Templo, nível mais alto na cidade. Era habitual fazer duas orações por dia, uma pela manhã e outra à tarde quando eram oferecidos no templo os sacrifícios diários.
Os que estavam ouvindo Jesus contar a parábola supuseram que o fariseu e o coletor de impostos haviam subido ao templo para participar da cerimônia do sacrifício expiatório diário e orar.
O fariseu, posto em pé, orava consigo desta maneira: “Ó Deus, graças te dou porque não sou como os demais homens, roubadores, injustos e adúlteros, nem ainda como este cobrador de impostos. Jejuo duas vezes na semana e dou os dízimos de tudo o que possuo.”’[8]
O fariseu estava de pé sozinho quando orou, separado de todos os outros adoradores. Se tão somente suas roupas tocassem alguém que estivesse impuro, o fariseu também ficaria impuro. E como os fariseus eram muito meticulosos quando se tratava de pureza e santidade, isso precisava ser evitado. Orava de pé olhando para cima, como era costume dos judeus na oração.
Também tinham o hábito de orar em voz alta, para aumentar a possibilidade de outros ouvirem sua oração. Podia acontecer de sua oração ser também uma “pregação”, ou seja, a pessoa ora de maneira a pregar um sermão aos outros em vez de verdadeiramente falar com o Senhor.
Considerando que as orações dos judeus no primeiro século eram, em geral, confissões de pecados, graças por bênçãos recebidas ou pedidos a favor de quem orava ou de outros,[9] existe a probabilidade de que a intenção do personagem fosse mais de pregar do que de orar. Ele não confessa nenhum pecado, não agradece a Deus por nenhuma bênção, não pede nada para si nem para os outros. Ele parece destacar para os outros como são maus, mostra desprezo por eles e alardeia sua própria integridade e obediência à lei. Compara-se aos outros e destaca sua consciência religiosa como muito superior às dos demais.
O fariseu s é cheio de si e presunçoso. Desdenha os que não observam a lei como ele, despreza-os e agradece a Deus por não ser como eles. Considera-se o epítome da integridade e, os que ouviam a narração de Jesus provavelmente tinham a mesma opinião com respeito àquele fariseu.
O comportamento e a oração do coletor de impostos são completamente diferentes.
O cobrador de impostos, porém, estando em pé, de longe, nem ainda queria levantar os olhos ao céu, mas batia no peito, dizendo: “Ó Deus, tem misericórdia de mim, pecador!'’[10]
O homem permanece afastado dos outros, não por ser justo, mas ser pecador e reconhecer isso. Não olha para o céu por se sentir indigno. Extorque dinheiro dos outros e cobra mais do que devia. É desonesto. Não sente que mereça estar entre o povo de Deus ou que seja digno de falar com Ele.
Afastado dos demais, bate no peito e no ora: “Ó Deus, tem misericórdia de mim, pecador!”
O coletor de impostos pedia propiciação, uma reparação pelos seus pecados. Seu clamor não é por misericórdia em geral, mas por reparação, por perdão pelos seus pecados.
E vemos que dá certo, pela maneira que Jesus conclui a história: Digo-vos que este desceu justificado para sua casa, e não aquele. Pois qualquer que a si mesmo se exaltar será humilhado, e qualquer que a si mesmo se humilhar será exaltado.[11]
O desfecho surpreendeu os ouvintes de então. O fariseu era visto como justo, respeitável e que não apenas obedecia a lei, mas fazia mais que ela previa. Já o coletor de impostos, por outro lado, era considerado o pecador. Era odiado e desprezado por todo mundo e por boa razão. Não fazia sentido entendê-lo vê-lo como justo.
Contudo, quem Jesus disse que foi para casa justificado, ou seja tornado justo? —Aquele que é confiante da sua justiça por conta das suas boas obras, ou o que implora a misericórdia de Deus? O que os outros consideram santo? —O que desdenha os demais por não serem tão religiosos quanto ele e que se separa dos que são impuros e pecadores? Ou o que sabe que é um pecador, humilha-se, entende que nenhuma quantidade de obras pode verdadeiramente salvá-lo, que busca Deus verdadeiramente arrependido e desejoso da Sua misericórdia, perdão e salvação?
No que diz respeito à graça salvadora de Deus, o que humildemente reconhece sua necessidade de Deus é quem recebe a salvação. Os que se salvarão não são os que têm uma opinião exaltada com respeito a eles mesmos, que confiam em suas boas obras e religiosidade para se salvarem. Não me entenda mal. Realizar boas obras e ajudar os outros é bom, mas não é isso que conta para a salvação. Não é possível fazer por merecer a salvação ou o perdão pelos seus pecados. Salvação é um presente oferecido por Deus.
Apesar de esta parábola falar da necessidade de humildade diante de Deus em oração, e advertir contra a presunção de uma pessoa com respeito às suas próprias obras e ao desdém com relação aos demais, e a uma atitude de superioridade, é principalmente uma mensagem sobre a graça de Deus. Ensina que nossas obras não nos salvarão; mas que a graça de Deus, sim. Deus criou uma forma para nós, pecadores sermos perdoados e termos um relacionamento com Ele, por causa do Seu grande amor, misericórdia e traça. Somos “justos” diante de Deus porque foi feita propiciação pelos nossos pecados, não por observarmos leis religiosas.
Pois é pela graça que sois salvos, por meio da fé —e isto não vem de vós, é dom de Deus— não das obras, para que ninguém se glorie.[12]
A parábola revela que Deus não se deixa impressionar por religiosidade ou atitudes de superioridade. É um Deus de misericórdia que reage às necessidades, às orações sinceras e ao arrependimento das pessoas.[13] Como diz em Isaias 66:2: “É para este que olharei: para o humilde e contrito de espírito, e que treme da minha palavra.”
Deus é um Deus de amor e misericórdia. Ama a humanidade e criou uma maneira para, pela morte de Jesus, sermos salvos. Está determinado a salvar todos, inclusive os que, aos olhos do mundo, são os piores pecadore, como é o caso do coletor de impostos nesta parábola.
Nós, cristãos, deveríamos fazer tudo ao nosso alcance para viver de forma a demonstrar o amor, a misericórdia e a compreensão que nosso amoroso Salvador mostrou por nós, ajudando os outros a conhecê-lO. Devemos compartilhar a maravilhosa mensagem de que para conhecer Deus basta simplesmente aceitar a dádiva da salvação por graça, que Ele oferece.
Se quiser mais artigos de Peter Amsterdam, visite o Espaço dos Diretores.
Notas de rodapé
[1] Marcos 7:5.
[2] Mateus 12:2; Mateus 12:10; Marcos 2:24; Lucas 13:14; João 5:16.
[3] Joel B. Green, Scot McKnight, Dictionary of Jesus and the Gospels (Downers Grove: InterVarsity Press, 1992), 806.
[4] Lucas 3:13. (A menos que indicado ao contrário, todas as referências às Escrituras foram extraídas da “Bíblia Sagrada” — Tradução de João Ferreira de Almeida — Edição Contemporânea, Copyright © 1990, por Editora Vida.)
[5] Mateus 21:32; Marcos 2:15; Lucas 15:1–2.
[6] Lucas 18:9.
[7] Lucas 18:10.
[8] Lucas 18:11–12.
[9] Kenneth E. Bailey, Jesus Through Middle Eastern Eyes (Downers Grove: InterVarsity Press, 2008), 347.
[10] Lucas 18:13.
[11] Lucas 18:14.
[12] Efésios 2:8–9.
[13] Klyne Snodgrass, Stories With Intent (Grand Rapids: William B. Eerdmans Publishing Company, 2008), 474.